quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Ela era Juiza e réu ...

Desprendida do mundo ela olhava mais uma vez ao relógio, um olhar ansioso e de suplica, como se a rotação dos ponteiros fosse livrá-la de todos os monstros internos que a perturbava .Cristina estava ali com olheiras profundas, cabelos negros e desgrenhados, rosto pálido e mudo.Esperava por algo que ela própria desconhecia, uma solução talvez , uma ultima esperança. E o relógio o grande curandeiro de magoas ...o tempo certamente tinha as respostas. 
Estava presa, confinada no seu próprio medo, no seu mundo monótono e de leis cruéis. Lembrou-se que as vezes tinha a audácia de escapar sorrateiramente, fugir de dentro de si. Sorria e se agradava com sua própria entrega mesmo sabendo que este ato a deixava na contramão e infligia as suas próprias leis. Teria que ser julgada, horas de transtorno e inquietação psicológica. Ela era juíza e réu. Não podia fraquejar, não ter compaixão pelo condenado era sua regra principal. Em sua mente a guerra...Abdicar-se? Ou continuar sendo?
Cristina estava cansada, cansada de si mesma, o que a própria havia feito dela? Um ser medroso e pessimista. Passara a vida toda se privando de viver. Sem criar afeições, nem aos outros, nem a si própria, para não haver o luxo de privilégios. Mas ela não se privilegiava com fugas? Ela se amava? Sim, se amava. E a moça de cabelos negros e desgrenhados passara a vida tentando trilhar o certo sem perceber que este era o seu maior pecado. Se punia na tentativa de se enganar. Ela se amava! Seus lábios se curvaram de uma forma tímida e desajeitada como se tentasse se lembrar de como fazia. Como sorria? Esquecera-se mas não se impediu de tentar, percebeu nesse pequeno ato que vencera a si própria. Arriscara. Sorriu de maneira ingênua como uma criança que acaba de descobrir um truque novo, gargalhou.Conseguirá .
Decidiu-se, não ficaria sentada na poltrona olhando os ponteiros do relógio mudar .
Não abdicaria quem era e tão pouco continuaria sendo o insosso. Levantou-se da cadeira e derrubou um maço de cigarro que estava na mesa, pegou-o e colocou no bolso . Fez isso numa serenidade espantosa. Seu olhar agora era inteligente, indiferente, deixou a ''juíza'' para traz morta entre as almofadas da poltrona mas fez isso numa frieza e desdém incomum, como se tivesse a plena consciência de que deixava um cadáver a suas costas. Caminhou ate a cozinha e pegou com desleixo uma garrafa de conhaque, bebeu no bico da garrafa varias e varias doses, engolindo coragem . Quando saciou sua vontade parou de beber e foi ate a janela, fitou as estrelas numa expressão silenciosa. E agora? Passara uma vida inteira trilhando o caminho ''certo '' teria que seguir outra estrada? Ou simplesmente mudar a maneira que caminhava? Ambos? Nenhum? O que faria? Ficou ali por alguns instantes sem se mover, apenas observando, absorvendo a calidez da noite fria. Pensando.
Reagiu com um meio sorriso, perverso e malicioso, se eu tivesse observado mais um pouco também o taxaria de cruel. Cristina se matará para só assim renascer. Sentia prazer por isso .
Voltou a beber o conhaque, só que bem menos do que no instante anterior .
Foi até a porta e a abriu, respirou fundo, puxando todo ar a sua volta, olhou para traz e vi pela primeira vez sua expressão de espanto como se não tivesse acreditando no que ela própria estava prestes a fazer. Certamente ela estava feliz seus olhos me contaram, sua felicidade de criança travessa. Olhou o céu e se entregou a mudez da noite, sorrateiramente saiu para mais uma fuga, um rompimento das próprias leis. Só que dessa vez .. não teria julgamentos e punições .
Matará a juíza e transmudou a ''lagarta '', agora era ''borboleta'' e estava prestes a sair de seu casulo .
Despertou ...deu o seu primeiro passo para começar a viver .

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