quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Catarina





A aparência do bar estava desgasta, as mesas tinham o mesmo aspecto grudento do chão e as cores vibrantes das paredes a tempos havia perdido sua força, deixando apenas o vestígio do que um dia foi belo. ''Essas cores, são como eu '' pensou Catarina de cabeça baixa. Tinha vergonha de ter perdido a capacidade de hipnotizar e encantar. Agora era uma velha triste, frequentadora de um bar imundo, que resmungava da vida, mas  chorava sozinha, odiando a vigília da morte. Querendo viver.

Sua mente era uma andarilha que caminhava nos trilhos de sua mocidade, renegando firmemente que o tempo escapa. O seu passado estava morto, mais não conseguia enterra-lo. Estava sempre ali, de frente ao cadáver da juventude, na época em que a imperceptível felicidade a levava aos extremos. Lembrava-se da disputa de seus batons vermelhos com os seus olhos castanhos esverdeados, quem olhava seu rosto não sabia responder qual os prendia mais, e pior...não sabiam como soltar-se. Catarina teve vários amores, deitou-se com mulheres e com homens, e nenhum deles conseguiu esquece-la. Ela não tinha a menor vocação de torna-se invisível, sentia em si o brilho de uma lua cheia. Mas a vida foi a deteriorando, roubando sua saúde e sua beleza, hoje em dia não passava de uma velha infeliz, insignificante.

                         - Ninguém jamais será como um dia eu fui, nem mesmo eu. - Disse ela ao garçom que sempre lhe servia os mesmos drinks.

                        - Não Dona Catarina, você é única. - Mentiu ele em tom convincente, não por maldade, por pena, para ele não passava de outra cliente carente, inconformada, que vinha afogar as mazelas da vida, na embriaguez. E a velha sorriu, seu sorriso incompleto com algumas banguelas, sentindo-se flamejar por dentro, naquele momento teve convicção de que sua beleza nunca morreu.  Brindou sozinha pela vida, pela feiura, pela velhice, pelo encanto. Brindou por si. E percebeu que sua juventude não poderia ser enterrada, que a deixa-se viver . Porque não?

Sozinha, levantou-se pra ir embora, não sem antes reclamar dos petiscos velhos, agradecer ao garçom que  jamais saberia que a mentira devolveu-lhe um pouco de luz. E sem antes mandar que alguém pintasse as paredes velhas:

                         -As coisas precisam de brilho, luz. Eu agora mesmo vou pintar minha boca de batom. - Só ela sorriu, só ela entendeu. Caminhou, é claro que iria.

Mas sem aviso prévio o que sempre a velava a agarrou pelo pulso, a derrubou sem ter pena, e a levou embora, sem a da tempo de desfazer a expressão de susto, sem a dar tempo de pintar os lábios, olhar no espelho e vê como estava linda...
Catarina morreu assim, com seus olhos esverdeados abertos, enfeitiçando as pessoas do bar sujo e enchendo o ambiente com um fraco brilho de lua cheia.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Nada atinge.

 Minha mente vaga sem deixar tocar-se ou fixar-se em alguma coisa. Estou sempre ali, dedicando-me a momentos e sensações, tentando reverter as coisas, mas por fim, de nada sei desfrutar.
Olho pro espelho e vejo um corpo fosco que carrega uma alma de igual palidez, não existe lágrimas ou sorrisos. Toco em tudo, nada sinto.
Os meus ombros se acostumaram com os fardos da felicidade e das lamentações... e  tudo isso vai flutuando no lago insosso da mesmice.
Como autenticar o óbito de um coração que ainda bate?
O destino me entrega as cartas, as mesmas que recebi ontem e receberei amanhã, sorrio sem achar graça do seu humor ofensivo e jogo outra partida, sem saber lidar com as vitorias ou fracassos.
Lá se vai um outro dia...
Eu choro, mas as lágrimas secaram e os sorrisos são só sorrisos e não a felicidade. Eu sei que tenho forças para continuar, andar pelo mesmo chão.Mas o meu coração está insatisfeito, despreza o júbilo e a melancolia, que tão igual e escasso não o atinge.
Eu nunca desejei a paz tão fortemente, mas neste momento, declaro as minhas suplicas. Preciso da calma, e da beleza das coisas simples...mas estou envolta da complexidade e descontentamento.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Doses de refúgio.


No rosto de Dalila era totalmente notável à imagem distorcida de quem um dia pareceu uma boneca de porcelana, seu rosto tinha a delicadeza e os traços perfeitos borrados, transfigurados a uma pintura crua e pavorosa da infelicidade.
Se em algum momento da sua vida tivera sido feliz, já não lembrava. A melancolia a fez esquecer dos sorrisos, como se as lágrimas fossem tantas a ponto de expulsar todos os outros sentimentos positivos que permaneciam por perto.
Dalila chegou ao ponto em que a sanidade precisava ser repelida, já não tinha mais forças para suporta-la. Vivia em seu mundo, com sua euforia planejada...álcool, música e drogas. Era disso que ela precisava pra esquecer.
Cresceu em meio as brigas dos pais e a rejeição dos colegas. Sozinha.
Pode parecer pouco, mas doía tanto. É que a solidão só é prazerosa quando é opcional.
Respirou fundo, inalando o cheiro familiar de cigarros e mofo de seu quarto e aos poucos deixou-se submergir ao delírio.
Do outro lado da porta as brigas começaram de novo, o transtorno... Do outro lado da janela o sol, a vida. Mas estava pressa em outro plano, no seu próprio mundo frágil. Conscientemente destruía a si mesma e deixava o tempo passar. Embora matar-se de uma vez fosse o refúgio mais eficaz, lhe faltava coragem para tirar a própria vida, matava-se aos poucos... mas tinha medo de morrer.
Em meio aos seus devaneios e insensatez, pensou em si mesma e a tristeza começou a invadir. Virou outro copo de Montilla. Cheirou um pouco mais de cocaína... E em seguida gargalhou. Era daqueles sorrisos carregados de mágoa, os que disfarçam o espanto. Estava feito, voltou outra vez pro seu mar anestesico . E quando a lucidez ou tristeza ameaçassem voltar, engoliria outras doses de euforia, ilusão.
Totalmente infeliz e insana, ela sorria.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Ciclo de dor e falhas.

Uma sensação estranha de inquietação, parafusos soltos .A tristeza ia corroendo a própria tristeza , como se fosse preciso desfazer-se por inteira pra só assim restaurar-se . Não chorava, mas sentia.
A sua alma ia desabando e ela sequer lamentava. Deixava fluir todo o processo de destruição .A dor ia esmagando , pisoteando sem piedade. E ela por sua vez, aceitava.
Depois do desabamento reconstruia com calma a estrutura, com os mesmos erros, com as mesmas rachaduras. O ciclo de dor e falhas se repetia de novo.